Por Tarcísio Dourado

1. Introdução

Sabe-se que na relação de consumo, por muitas vezes, a parte fornecedora frustra as expectativas da parte consumidora. Não bastasse isso, não são raras as ocasiões nas quais o consumidor tem a sua pessoalidade desprezada e por consequência os seus direitos violados. Logo, não se pode olvidar que aquele que consome está, quase sempre, em situação de risco, sobretudo, pela vulnerabilidade que apresenta frente àquele que fornece (serviço ou produto).

Ocorre que, rotineiramente, o risco supramencionado materializa-se em fatos, pois, quando há defeitos em um produto ou quando um serviço não é prestado ou até mesmo prestado indevidamente, danos podem ser gerados e, pior que isso, podem não ser reparados.

Assim, caberá ao vulnerável consumidor diligenciar uma reparação e para isso deverá renunciar, quer seja, um horário de almoço, um período com a família, uma tarde de estudo/trabalho (entre outros afazeres), ou seja, renunciará tempo.

2. Do valor do tempo

Sempre se ouviu falar nos chavões populares que ressoavam o valor do tempo, tais como: “O tempo que se perde, não se torna mais a achar” ou “é preciso dar tempo ao tempo”. Além destes, quem nunca ouviu dizer, ou até mesmo falou, que “tempo é dinheiro”?!

Pois bem, é na senda destes históricos e conhecidos provérbios que o Direito vem se inovando, mais especificamente, no que se refere ao direito do consumidor.

 O consumidor, como dito acima, em muitos momentos, na tentativa de resolver infortúnios da relação de consumo dispõedo seu tempo, diligenciando (quase sempre unilateralmente) pela resolução de problemas frente ao seu inerte fornecedor.

Tudo isso gera desconforto e acaba por gerar também perdas irrecuperáveis, não, necessariamente, no que se refere ao produto ou serviço que se busca ajustar, mas ao tempo perdido nas tentativas de resolução dos problemas, que, em tese, nem sequer deveriam existir.

 A teoria do desvio produtivo de Marcos Dessaune traz à tona esta temática, dos infortúnios e da perda de tempo do consumidor diante dos vícios encontrados nos produtos e nas más prestações de serviços daqueles que os fornecem. Dar-se, portanto, ênfase aos danos irreparáveis oriundos do tempo que o consumidor perde, seja com deslocamento, seja em filas de espera ou até mesmo em atendimentos, na maioria das vezes infrutíferos, em setores de call centers.

Um tempo renunciado diz respeito a uma produção pessoal desviada, o que pode ser traduzido como uma perda da execução de uma atividade existencial, isto é, um verdadeiro dano.

É nesse contexto que surgiu a “teoria do desvio produtivo”, que nas palavras do professor Marcos Dessaune, diz respeito ao seguinte:

 “Desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável”

3. A Teoria do desvio produtivo e a sua essencialidade lógica

A Teoria ora referenciada sustenta que todas as vezes que o consumidor precisa se desviar das suas atividades existências e desperdiçar tempo de vida, para tentar resolver problemas de consumo, como por exemplo, reparar produtos ou serviços com defeitos ou práticas abusivas, ele estará tendo um prejuízo.

Nessas situações o consumidor, necessariamente sofre um dano extrapatrimonial de natureza moral. Desta forma, pode-se afirmar que o prejuízo sofrido pelo consumidor decorre de duas questões, quais sejam:

  • Perda do tempo de vida/tempo existencial

Este tempo, que é um bem jurídico, possui três características elementares, sendo, portanto: 1- Finito; 2- Inacumulável e; 3- Irrecuperável.

Assim, pode-se dizer que toda vez que este tempo é desperdiçado na vida da pessoa consumidora, ele não pode ser recuperado, portanto, o prejuízo é inequívoco.

  • Desvio de atividade para resolução de um problema que não deveria existir

Toda vez que o consumidor precisa se desviar de atividades, especialmente as existenciais, como trabalho, estudo, descanso, lazer ou convívio social, ele se desvia para resolver um problema que não deveria existir. Certamente, a posteriori, ele tentará repor a atividade que ele deixou de realizar naquele momento, por exemplo: O Consumidor recebe uma cobrança indevida, ainda que de valor pequeno, com isso, para que não se subordine ao eventual (e às vezes corriqueiro) abuso, terá que dispor de uns minutos aqui, outros ali e assim seguirá, renunciando o seu tempo para que não suporte um encargo que não lhe é devido.

Por tudo isso, nota-se que quando o consumidor busca resolver uma demanda oriunda de vícios da relação de consumo, ele, necessariamente, adia a realização de uma atividade pessoal de cunho existencial. Destarte, infere-se que há um deslocamento de uma atividade para um segundo momento e, consequentemente, o adiamento de outra atividade para um terceiro momento e assim por diante. Isso, diz respeito ao ciclo que evidencia o retardo da vida pela notória irrecuperabilidade do tempo.

4. A exploração de atividade econômica e a primazia do lucro em detrimento ao consumidor

Em um cenário capitalista no qual a produção em massa de produtos cresce desarrazoadamente e os serviços se multiplicam em espécie quantitativa, cada vez mais os “exploradores do negócio” tornam impessoal a relação de consumo. Isso faz com que o lucro sobressaia à sensibilidade, logo, a pessoa do consumidor passa ser mais um (número) lesado na eterna lista de espera dos que consumiram e tiveram frustradas as suas expectativas.

Por isso, é importante dizer que enquanto uma parte (o fornecedor) lucra, a outra (consumidor) é, manifestamente, lesada, não somente de forma moral, mas também material.

O dano material, nos casos de defeitos na relação de consumo, podem se dá tanto na forma de danos emergentes, como lucros cessantes.

Fala-se isso porque, normalmente, o Consumidor na busca da reparação do prejuízo que sofrera, muitas vezes, precisará gastar com tarifas telefônicas, com deslocamentos no que tange ao transporte e até mesmo com serviços advocatícios. O lucro cessante se desenha pelo que já fora demonstrado, pois, no momento em que se abre mão de um tempo para resolução de um problema, perde-se tempo para efetivação de trabalhos, quer sejam, atividades pessoais/profissionais lucrativas.

Sendo assim, há uma despesa que é material e que é, sem dúvida, passível de reparação.

5. A teoria do desvio produtivo, a jurisprudência e o mero aborrecimento.

A partir de 2011, quando a teoria em análise foi publicada, começaram a surgir os primeiros precedentes judiciais. Desde então, a teoria foi ganhando forma e visibilidade em meio aos tribunais nacionais.

Esse crescimento consolida a tese que eleva a importância do tempo, sobretudo, em razão das reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que até o final do ano passado, já havia aplicado a teoria em, pelo menos, 13 (treze) decisões monocráticas dos ministros do STJ. Isso, a seu tempo, pode significar uma célebre metamorfose em detrimento da antiga jurisprudência brasileira que ficou conhecida como a “jurisprudência do mero aborrecimento”.

O Poder Judiciário é um regulador/solucionador de conflitos, inclusive na seara consumerista, dizendo o Direito e efetivando, sob a ótica da lei, as devidas reparações. Isto é o que ao menos deveria acontecer, mas, sabe-se que por muito tempo a discricionariedade subjetiva dos julgadores tratou como “meros aborrecimentos” danos objetivos e incontestáveis daqueles que, com certeza, não por prazer ao contencioso, buscaram amparo jurisdicional.

A “jurisprudência do mero aborrecimento” se traduzia no entendimento de que todo caminho trilhado pelo consumidor na busca de reparação diante de um vício na relação de consumo, evidenciavam situações que não eram tão intensas e duradoras para gerar um abalo psicológico e assim acarretar um dano moral indenizável.

Todavia, com o advento da Teoria do Desvio Produtivo, os tribunais passaram a ter uma base jurídica, mais especificamente, uma base doutrinária, para modificar o seu entendimento, haja vista o esclarecimento trazido pela teoria no que tange ao valor imensurável tempo.

6. Conclusão

Por todo o exposto, pode-se afirmar que a Teoria do Desvio Produtivo vem se encorpando diante das relações jurídico-consumeristas em âmbito nacional. É no expressar preciso e técnico do que já preludiava os provérbios, evidenciando e inovando a jurisprudência com os fatos anunciados nos ditados que: “O tempo que se perde, não se torna mais a achar” e que “tempo é dinheiro”.

 Sendo assim, pela lógica do entendimento de que um tempo gasto é irrecuperável, não se pode olvidar que o consumidor que abandona seus afazeres empenhando-se pela resolução de impasses, que não deu causa, necessita, por certo, ser amparado e indenizado. Pois, ao invés de produzir com o tempo que possui, é compelido a “correr atrás dos prejuízos”, tendo sua produtividade desviada por circunstâncias alheias a sua própria vontade, logo, não pode suportar o ônus do tempo que lhe fora tirado.

Por tudo isso, conclui-se que há preciosidade no tempo e também, como já demonstrado, um incalculável valor. Desta forma, espera-se que esta inconteste realidade se consolide, jusrisprudencialmente, pois, o desvio produtivo é um fato que não apenas furta o tempo do consumidor lesado, mas também o onera, quando um tempo útil é descartado e perdido por falhas na prestação de serviços de terceiros. Terceiros estes que são, objetivamente, responsáveis nos termos da lei por serem exploradores de atividade econômica, logo, não poderão ser desincumbidos pelos riscos do negócio que eles mesmo assumiram. O dano causado, quer seja pela ofensa ao patrimônio, quer seja pela ofensa à moral ou até mesmo pelo tempo sucumbido, deve, indubitavelmente, ser indenizado.

REFERÊNCIAS:

Teoria do Desvio Produtivo: breve análise e jurisprudência. Disponível em:

<https://www.brasiljuridico.com.br/artigos/teoria-do-desvio-produtivo-do-consumidor-breve-analise>; Acesso em: 15 de março de 2019.

Teoria do desvio produtivo é um dos temas da sério sobre 30 anos do STJ. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-dez-16/desvio-produtivo-temas-serie-30-anos-stj>; Acesso em: 15 de março de 2019.

Justiça do Rio derruba súmula que reduzia indenização a consumidor por dano moral. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/justica-do-rio-derruba-sumula-que-reduzia-indenizacao-consumidor-por-dano-moral-23316143> ; Acesso em: 15 de março de 2019.

TJ/RJ: Órgão Especial cancela súmula do “mero aborrecimento”. Disponível em:https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI293074,51045TJRJ+Orgao+Especial+cancelamento+sumula+do+mero+aborrecimento. Acesso em: Acesso em: 15 de março de 2019.

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