1.Introdução

Aprovada na comissão de constituição de justiça (CCJ) da câmara de deputados, a proposta de Emenda Constitucional nº 45/2019(PEC 45/2019) será levada ao plenário, carregando consigo a esperança popular de simplificação e redução da carga do sistema tributário nacional.

De início é preciso mencionar, que um o anseio popular de redução carga tributária nacional, atualmente projetada em 33,58% do PIB, não é objetivo da reforma tributária apresentada. E nesse particular, pensamos que a referida proposta, andou muito bem, tendo em vista que o grande gargalo do nosso sistema tributário é sua irracional complexidade operacional e material, sendo certo que no diz respeito à “carga”, no todo, nosso sistema não discrepa das legislações internacionais de sucesso, razão pela qual não é esse o “nó” a ser desato.

Vale registrar que a PEC 45/2019 é o resultado de profundo e competente estudo conduzido pelo Centro de Cidadania Fiscal, e foi recebido com justo entusiasmo por importantes setores empresariais e por parte da doutrina tributária nacional, diante do fato de que, objetiva gerar a simplificação da tributação e da gestão fiscal, sendo certo que nesse desiderato a referida proposta de emenda constitucional atende plenamente os seus objetivos.

Para traçar os limites das pretensões da proposta, e evitar considerações de cunho pessoal, traz-se à colação a introdução da justificativa anotada no bojo do projeto:

A presente Proposta de Emenda à Constituição, tem como objetivo propor uma ampla reforma do modelo brasileiro de tributação de bens e serviços, através da substituição de cinco tributos atuais por um único imposto sobre bens e serviços (IBS). Os tributos que serão substituídos pelo IBS são: (i) imposto sobre produtos industrializados (IPI); (ii) imposto sobre operações relativas à circulação de mercado- rias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS); (iii) imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS); (iv) contribuição para o financiamento da seguridade social (Cofins); e (v) contribuição para o Programa de Integração Social (PIS). O IBS terá as características de um bom imposto sobre o valor adicionado (IVA), modelo adotado pela maioria dos países para a tributação do consumo de bens e serviços.

Não se pode deixar de louvar tentativa de simplificação do sistema tributário nacional, especialmente quando se tem certo, porque disso ninguém diverge, que nosso sistema de declaração e recolhimento de tributos é de maneira geral ininteligível, contraproducente e extremamente custoso.

Por certo que o nosso custo fiscal, entendido como a soma do custo operacional de conformidade (assessoria jurídica, assessoria contábil, recursos humanos, escrituração, etc) e carga tributária, é absurdamente mais pesado que em outros países.

No entanto, a pretexto de resolver a questão da irracionalidade do nosso sistema fiscal, não se pode vulnerar princípios constitucionais tributários (pacto federativo e capacidade contributiva), tão caros à ideia do tributo enquanto elemento de receita estatual indispensável para fazer frente aos gastos públicos.

2. Desenvolvimento

Então, você deve estar se perguntando: não deveríamos saudar essa Proposta de Emenda Constitucional? A resposta, em resumo, é um: “infelizmente, não”.

Vamos ao porquê. Ou melhor: aos 2 principais porquês.

1o  – A proposta rompe com o pacto federativo ao restringir a competência de Estados e Municípios

A Constituição de 1988 nos batizou como um Estado Federativo, e não Unitário. Isso significa que os – hoje – 27 Estados (incluindo o DF) e 5570 municípios do país possuem autonomia para instituir, cobrar e arrecadar tributos dentro das diretrizes demarcadas na Carta Magna.

Em um país de dimensões continentais como o Brasil, de realidades econômicas e culturais tão díspares, descentralizar o poder foi uma decisão acertada por conferir às autoridades locais o melhor entendimento sobre cada situação específica.
                    

Como esperar que um legislador em Brasília, a exatos 816 quilômetros de distância, possa decidir sobre a alíquota do ISS aplicável a um prestador de serviços em Altamira (Pará)? Ou, então, que o Presidente da República crie uma condição de isenção ao ICMS no Estado do Rio Grande do Sul?

A PEC 45/19, ao extinguir o ICMS (estadual) e o ISS (municipal) para instituir o IBS está, na prática, restringindo algo que é cláusula pétrea: a competência tributária. Mesmo que repassasse parte da arrecadação, recompondo o que entraria nos cofres estaduais e municipais, a União estaria obrigando os demais entes federativos à sua determinação e controle.

Lembre-se que a competência tributária também prevê a possibilidade da não tributação. Ou seja: casos em que o poder Executivo entende que não tributar certa mercadoria ou serviço criará incentivos para o consumo, ou aliviará um grupo de contribuintes afetados por alguma imprevisibilidade.

                     O IBS, ao congregar tributos federais (IPI, PIS e COFINS), estaduais (ICMS) e municipais (ISS) em um único imposto da União, na realidade restringe a autonomia de Estados e Municípios, maculando explicitamente o Art. 18 da Constituição Federal.

                     Fica evidente essa consideração ao notarmos que um Estado ou Município não poderia se abster de uma tributação uma vez que o ente federativo responsável pelo imposto seria, agora, unicamente a União.

2o – A PEC 45/19 agrava ainda mais a desigualdade de renda e regional brasileira

A primeira explicação para essa afirmação encontra raízes no que vínhamos tratando no tópico anterior. Explico: pela proposta apresentada, o IBS seria tributado no destino. Ou seja: dependeria da capacidade de consumo de cada local para conseguir arrecadá-lo.

Em um país dotado da maior parte de municípios em zonas rurais, a PEC 45/19 viria a privilegiar as cidades com maior densidade de consumo, como Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, condenando ainda mais os municípios interioranos ao parasitismo fiscal.

Além disso, outro aspecto bastante preocupante é o fim da seletividade do IPI e do ICMS. Entenda: até hoje é possível isentar ou aplicar alíquota reduzida a bens e serviços considerados essenciais para o consumo popular, como o arroz, o feijão, a farinha de trigo e o pão, por exemplo.

Atualmente, a lei faz distinção entre o que é essencial à vida e o que é supérfluo, demonstrando sensibilidade do legislador à condição de vida do brasileiro mais necessitado. Na verdade, tal sensibilidade é uma obrigação constitucional gravada no Art. 145, I, § 1º, que nos avisa: “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica         do        contribuinte”.

                    Ao desconsiderar esse princípio, a PEC 45/19 fere, portanto, uma das mais importantes bases do direito tributário: a capacidade contributiva.

3.Conclusão

É evidente, tal como expusemos no início, a necessidade de se otimizar e descomplicar o sistema tributário nacional, simplificando o seu modus operandi. Talvez seja este o único ponto positivo nessa Proposta: a tentativa  de desburocratização.

No entanto, há princípios que não devem ser desconsiderados; ou melhor: que deveriam ter um peso ainda maior para balizar qualquer reforma que mexa com o bolso do contribuinte.

Ferir de morte a competência tributária, quando retira a autonomia dos entes federativos e agravar ainda mais a desigualdade social e regional, infringindo o princípio da capacidade contributiva definitivamente não parece ser o melhor caminho.

Um dos pontos defendidos pelos autores da proposta consiste em dizer que, ao transferir o fato gerador para o destino, e não manter na origem – como é hoje em dia – acabaria por extinguir o que chamamos de “guerra fiscal” entre os Estados. Eles apostam na explicação de que municípios e estados oferecem isenções e facilidades para que grandes parques industriais se instalem em seus territórios, contando com a arrecadação de mais impostos.

Em uma análise pouco cuidadosa, poderíamos acreditar nisso. Ocorre que, na realidade, estaríamos não só ajudando a desindustrialização do país, como transferindo renda para regiões de grande potencial de consumo, que naturalmente já são mais abastadas. Ou seja: não só a “guerra fiscal” continuaria sob novas estratégias, como as regiões onde realmente precisam de atenção seguiriam sendo esquecidas.

Não se trata necessariamente de má-fé do legislador. Uma reforma que cuide de um país complexo em todas as instâncias, como o Brasil, é tarefa realmente das mais difíceis, ainda que se tenha a melhor das intenções.

Qualquer reforma que se pretenda eficaz não deve ferir o pacto federativo, diminuindo a autonomia de estados e municípios, em nome de um centralismo atemporal da União. As democracias mais modernas do mundo estão exatamente no caminho oposto: mesmo as repúblicas “unitárias” vêm criando zonas fiscais especiais e autônomas para dar conta das peculiaridades locais.

Também uma reforma que visa a beneficiar somente o empresariado, agravando as desigualdades regionais e sociais, é contraproducente duas vezes: primeiro porque se trata de uma má-gestão do erário e, segundo, porque empobrecendo ainda mais a população, acarretará em menor consumo e, por fim, na deterioração da economia nacional.

As alterações constitucionais que serão discutidas por meio da PEC 45/2019, mitigam significativamente o pacto federativo e vulnera a capacidade contributiva, e muito embora nascida com as mais louváveis intensões, estas não são capazes de salvar a validade constitucional da proposta.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *